O novo canto da sereia

OBS: O canal Animal Planet, que assisto muito fez um documentário de ficção (conhecido como mockumentary) sobre seres humanos que vivem no fundo do mar, conhecidos como "sereias". Não há mal nenhum em o canal fazer um documentário deste tipo, desde que deixe claro se tratar de uma ficção criada só para entreter e não para informar. Mas toda a publicidade em torno do mesmo está indo longe demais e devemos ficar atentos, pois nada do que é dito no documentário é verdade. Só mesmo para divertir. O texto abaixo foi extraído de um site lusitano, o que explica o estranho vocabulário.

O novo canto da sereia

Marco Santos - Bitaites

Considerem este ví­deo: é o trai­ler de um do­cu­men­tá­rio — «Mermaids: The New Evidence» – que o ca­nal Animal Planet an­dou a pro­mo­ver no YouTube e ra­pi­da­mente se es­pa­lhou pela rede.

Resultado: 3.6 mi­lhões de te­les­pec­ta­do­res vi­ram o do­cu­men­tá­rio mos­trando as pro­vas de que as se­reias exis­tem – um re­corde de au­di­ên­cias para o canal.

E agora a ver­da­deira sur­presa: não é um do­cu­men­tá­rio, é fic­ção dis­far­çada de do­cu­men­tá­rio. O Animal Planet chama-lhe fic­ção ci­en­tí­fica, mas só nos cré­di­tos fi­nais. Os ci­en­tis­tas não são ver­da­dei­ros ci­en­tis­tas, mas ato­res; e as se­reias não são ver­da­dei­ras se­reias, mas cri­a­ções fei­tas em com­pu­ta­dor. Tudo é feito de ma­neira a fa­zer com que as pes­soas acre­di­tem tratar-se de um do­cu­men­tá­rio, mas é tudo uma al­dra­bice. Ora, que deceção.

Já não é a pri­meira vez que o Animal Planet cria um falso do­cu­men­tá­rio so­bre se­reias e se es­força por criar um acon­te­ci­mento na Web, co­pi­ando a es­tra­té­gia que fez do ama­do­resco «The Blair Witch Project» um su­cesso co­mer­cial nos cinemas.

Há um ano, apre­sen­tara «Mermaids: The Body Found», lan­çara uns te­a­sers no YouTube e até cri­ara uma pá­gina com uma falsa men­sa­gem do Homeland Security Investigations afir­mando que o do­mí­nio fora apre­en­dido, só para agi­tar ainda mais os co­ra­ções conspiracionistas.

Agora vol­tou a re­pe­tir a es­tra­té­gia — e com mais su­cesso, ainda.

Um ca­nal com do­cu­men­tá­rios re­ais so­bre a Natureza tam­bém pre­cisa de pa­gar as con­tas com do­cu­men­tá­rios fal­sos — a gente per­cebe. Há quem te­nha le­vado a gol­pada na des­por­tiva, como o es­cri­tor de di­vul­ga­ção ci­en­tí­fica Brian Switek: «A to­dos os fãs de se­reias que de­se­jam que eu des­monte cada uma das ‘pro­vas’ apre­sen­ta­das no em­buste do Animal Planet», es­cre­veu no Twitter. «O meu preço é 10 mil dó­la­res à hora. Aceito pa­ga­men­tos por PayPal.»

Há quem te­nha me­nos pa­ci­ên­cia para esse tipo de brin­ca­dei­ras. Quando o pri­meiro do­cu­men­tá­rio se es­treou, o jor­na­lista Brad Newsome es­cre­veu no The Sydney Morning Herald: «Há gente que gosta des­tas coi­sas, tudo bem, mas tais pro­gra­mas são mais pró­prios de um ta­bloide sem pre­ten­sões ci­en­tí­fi­cas ou pre­o­cu­pa­ção quanto à cre­di­bi­li­dade.»

O Ulisses sabia-a toda

Eis uma in­for­ma­ção que po­derá ter cho­cado uma parte dos 3.6 mi­lhões de te­les­pec­ta­do­res do Animal Planet: as se­reias são se­res mi­to­ló­gi­cos, be­lís­si­mos fru­tos da ima­gi­na­ção do Homem.

Na Odisseia de Homero, por exem­plo, o he­rói Ulisses deixa-se amar­rar ao mas­tro do barco e co­loca cera nos ou­vi­dos para não es­cu­tar o canto das se­reias e re­gres­sar a casa são e salvo.

Os di­le­mas de Ulisses são muito atu­ais, so­bre­tudo se pen­sar­mos nas em­pre­sas de cré­dito fá­cil ou nos ban­cos como as se­reias do mundo mo­derno: a cada mo­mento do nosso per­curso, em ban­ners de pu­bli­ci­dade ou anún­cios de te­le­vi­são, cantam-nos bo­ni­tas can­ções so­bre car­ros, te­le­vi­so­res, com­pu­ta­do­res e fé­rias de so­nho – só com a es­per­teza de Ulisses (e da fei­ti­ceira Circe, que lhe deu as di­cas) po­de­mos es­ca­par às me­lo­dias que nos fi­cam no ou­vido e fu­gir à ten­ta­ção de com­prar dinheiro.

O pre­si­dente do Animal Planet não vê o canto das se­reias como uma me­tá­fora do con­sumo: «Estes ex­tra­or­di­ná­rios pro­gra­mas es­pe­ci­ais de te­le­vi­são ele­tri­fi­ca­ram, de­sa­fi­a­ram e en­tre­ti­ve­ram au­di­ên­cias e fãs on­line», gabou-se ele.

Bem, afi­nal se ca­lhar até as­so­cia o canto das se­reias ao con­sumo. Mas usa pa­la­vras diferentes.

Seja como for, é inad­mis­sí­vel que em pleno sé­culo XXI al­guém se atreva a pen­sar que as se­reias não exis­tem. Existem, pois claro, e até co­nhe­ce­mos o nome de uma: Mirella Ferraz.

Segundo as úl­ti­mas no­tí­cias, esta bra­si­leira tem feito as de­lí­cias dos ma­ri­nhei­ros de água doce que têm vi­si­tado o aquá­rio em São Paulo. Quando é que o Animal Planet faz um do­cu­men­tá­rio so­bre esta se­reia?

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