Valter Pomar: Paulo Teixeira e a admirável arte de “dourar a pílula”


Por Valter Pomar

Sou a favor de alianças.

E as vezes as alianças precisam ser amplas.

Mas tudo tem seu preço.

Este detalhe é simplesmente desconsiderado por parcela dos que defendem Alckmin na vice de Lula.

Para estas pessoas, Alckmin só traria benefícios, seria um bônus sem ônus.

Um exemplo disto é a entrevista concedida pelo companheiro Paulo Teixeira, atual secretário-geral nacional do PT, ao jornal Folha de S. Paulo (ver íntegra ao final).

A versão publicada da entrevista começa com Teixeira hierarquizando os temas: primeiro “construir a aliança para disputar a eleição e governar o Brasil”. Depois o programa de “reconstrução nacional” elaborado “pelo PT e os partidos aliados”. Terceiro, a formação de uma “federação com siglas como PSB, PC do B e PV, ainda que saibamos que as alianças que faremos não necessariamente estarão nesse formato”.

Paulo ressalta que a “definição da vaga de vice não deve preceder a esse roteiro”.

No mundo ideal é isto mesmo: primeiro o programa, depois a aliança, depois a vice. 

Mas no mundo real, não é este o roteiro atualmente em curso.

Paulo destaca, também, que a vice “não deve representar um rebaixamento programático, nada que comprometa ou prejudique o programa”. 

Idealmente, perfeito. 

Mas no mundo real, alguém acredita que a entrada de Alckmin na vice não vai comprometer o programa?

Interessada nisto, a Folha pergunta a Paulo: “A possibilidade de ser Alckmin o vice dialoga com o que o sr. propõe?” 

A resposta de Paulo é arrolar dois “critérios” para a escolha de um vice: “que não seja alguém do PT” e “que venha do Sudeste, para alcançar um eleitorado com perfil mais conservador”.

E arremata: “Cumpridos esses critérios, na minha opinião, o nome do Alckmin não pode sofrer qualquer restrição por parte do PT”.

Ou seja: o histórico e o programa defendido por Alckmin não fazem parte dos critérios.

Opção lógica para quem – além de acreditar por definição que a vice “não deve representar um rebaixamento programático, nada que comprometa ou prejudique o programa” – também afirma, ao final da entrevista, que “nossas divergências ficaram no passado”.

Acontece que as duas premissas são falsas.

Não é sério acreditar que Alckmin aceite ser vice sem interferir no programa.

E as divergências com os neoliberais (bolsonaristas ou não) continuam afetando o presente. Não são um assunto do passado.

É a própria Folha que lembre uma destas divergências, ao perguntar: “Vê Geraldo alinhado aos debates propostos pelo PT, por exemplo, em relação à reforma trabalhista?”

Teixeira responde assim: “O movimento que ele faz em direção à candidatura do Lula é também em direção a algo conhecido, já que todo o país conhece as posições do PT em relação aos principais assuntos. E, ao mesmo tempo que o nome dele entra no debate, temas fundamentais para o nosso projeto estão sendo discutidos sem que haja uma mudança nas agendas do PT”.

O nome desta resposta é tergiversação.

Afinal, é público e notório o desalinhamento total de Alckmin com as posições do PT, não apenas no tema da reforma trabalhista.

Sendo assim, só há duas possibilidades: i/ou bem se está acreditando que Alckmin aceitaria ser um vice decorativo, ii/ou bem se está evitando reconhecer e admitir o óbvio: toda aliança tem seu preço.

Aliás, se Alckmin viesse a ser apenas decorativo, então isso não seria suficiente para atrair o “eleitorado com perfil mais conservador”. 

Portanto, Teixeira está tergiversando, mas com bons propósitos: “dialogar com as preocupações trazidas por aqueles que resistem” ao nome de Alckmin.

Agradecendo a postura, reitero o argumento: o único jeito de Alckmin não implicar em rebaixamento programático é o rebaixamento ocorrer antes dele ser oficializado como vice. 

Mas aí sairíamos do reino da tergiversação e adentraríamos no império da hipocrisia.

Talvez um problema esteja na dificuldade que o próprio Paulo tem de chamar certas coisas pelo nome.

Por exemplo: ele afirma que essa aliança seria “democrática progressista”.

Chamar Alckmin de progressista e/ou de democrático na semana em que se comemoram os 10 anos de Pinheirinho é um escárnio.

Uma aliança com Alckmin, se vier a ocorrer, seria uma aliança com a direita não bolsonarista. 

E sobre isso há duas perguntas que precisam ser respondidas.

Uma pergunta é: uma aliança deste tipo iria mesmo, como afirma Paulo Teixeira, “criar uma onda no Brasil que possa levar [Lula] à vitória e afastar qualquer ameaça de ruptura com o sistema democrático que este presidente [Bolsonaro] representa”?

Outra pergunta é: quais impactos uma aliança deste tipo teria sobre a ação do futuro governo Lula?

Sobre a primeira pergunta, minha opinião é que não devemos apostar nossas fichas neste cavalo. 

O que pode criar uma “onda” capaz de levar Lula à vitória é o apoio nas camadas populares e nisso Alckmin não tem nada a contribuir, salvo negativamente. 

Além disso, constitui excesso de otimismo acreditar que o golpismo bolsonarista poderia ser debelado graças aos mesmos que abriram passo para Bolsonaro chegar onde chegou.

Pois nunca é demais lembrar: o golpe de 2016 e a Lavajato não foram obra de Bolsonaro. Foram obra da direita gourmet, Alckmin inclusive.

Vejamos agora como Teixeira responde a segunda pergunta, a saber, quais impactos uma aliança deste tipo teria sobre a ação do futuro governo Lula.

A pergunta acima é minha, não foi feita a Teixeira pela Folha, mas ao longo da entrevista ele relaciona vários itens que permitem construir, ao menos parcialmente, uma resposta: “oferecer oportunidades de trabalho, reduzir a desigualdade social, valorizar o salário-mínimo, fortalecer o SUS e a educação pública, cessar o desmatamento da Amazônia”; “valorizar o mundo do trabalho, rever o enfraquecimento sindical pela reforma trabalhista, fortalecer o salário-mínimo e enfrentar os temas da emergência climática, da fome, do desemprego e do baixo crescimento econômico”; “consolidação da escolha democrática feita na Constituição de 1988”, a “manutenção do pacto constitucional”; “dar todos os passos possíveis na direção de derrotar o bolsonarismo e o ultraliberalismo que está destruindo a economia brasileira”.

A relação acima tem detalhes curiosos (como “rever” ao invés de “revogar” a contrarreforma trabalhista), mas deixemos os detalhes de lado e vamos ao núcleo da polêmica, a saber: como derrotar o ultraliberalismo.

O ultraliberalismo de Guedes dá continuidade às políticas neoliberais de Temer, FHC e Collor.

Por esse motivo, aliás, os neoliberais votam como votam no Congresso nacional, apoiem ou não Bolsonaro. 

Portanto, se pretendemos derrotar não apenas Bolsonaro mas também suas políticas, será preciso enfrentar e derrotar não apenas a direita bolsonarista, mas também a direita neoliberal não bolsonarista.

E a pergunta é: Alckmin estaria disposto a participar disso? 

Ele está disposto a enfrentar a hegemonia do capital financeiro? Do agronegócio? Dos Estados Unidos?

Se alguém acredita que sim, por favor nos prove, pois não conhecemos nenhuma, absolutamente nenhuma, declaração ou atitude de Alckmin que apontem nesse sentido. 

Confrontado pela Folha sobre o passado de Alckmin, Paulo responde assim: “É inegável que nós estivemos em campos opostos com o PSDB, que fizemos uma dura oposição ao governo do Alckmin e que tivemos divergências ao longo das nossas histórias. Entretanto, nós temos hoje um governo que permite a morte de 620 mil brasileiras e brasileiros [por Covid], que destrói a Amazônia, que entrega o patrimônio nacional e que representa um risco de uma ruptura com o sistema democrático. Então, tenho que saudar o reencontro dessas forças para recuperar a escolha democrática da Constituição de 1988. As nossas divergências ficaram no passado. O que agora vai nos unir é derrotar este governo da destruição nacional e colocar no lugar o da reconstrução nacional”.

Ao contrário do que diz Paulo, nós não “estivemos em campos opostos”. PT e PSDB seguem em campos opostos ainda hoje. E Alckmin saiu do PSDB, mas o PSDB não saiu dele.

A postura do PSDB em relação ao governo Bolsonaro e suas políticas não é a mesma do PT. Basta lembrar do que Dória (candidato oficial) e Leite (candidato alternativo) fizeram em 2018 e praticaram nos últimos 3 anos. Sobre Alckmin, o que foi mesmo que ele disse e fez em relação a Bolsonaro, que justifique o consideramos como um “democrata”?

Sem falar que a destruição da Amazônia teve grande participação de Salles, ex-secretário privado de Alckmin e ex-secretário de meio ambiente de Alckmin.

Portanto, é falso dizer que “nossas divergências ficaram no passado”. Aliás, alguns porta-vozes do “mercado” defendem a aliança por entender que ela implicaria numa mudança da posição do PT. Nesse sentido, é sintomático que Paulo Teixeira fale em programa de “reconstrução” e não use o termo “reconstrução e transformação” (nome do documento aprovado pelo DN do PT). 

Mas mesmo que aceitássemos limitar nossa “missão” a “consolidação da escolha democrática feita na Constituição de 1988”, a “manutenção do pacto constitucional”, as divergências não desapareceriam. Basta lembrar que  nos marcos da Constituição, PT e PSDB polarizaram todas as eleições presidenciais entre 1994 e 2014. E em todas elas, Alckmin esteve do lado errado. O que mudou agora?

Assim, mesmo que admitíssemos – o que não é minha opinião – que ter Alckmin na vice ajudaria a “derrotar [o bolsonarismo]” e a “impedir um golpe”, ainda assim restaria o problema: com que programa vamos “conseguir governar o Brasil”? 

Teixeira dá uma resposta incrível, como se uma aliança desse tipo não tivesse preço, fosse só bônus, sem ônus algum.

A realidade é outra, bem diferente. Os defensores da aliança deveriam colocar sobre a mesa as concessões que pensam em fazer.

Isso seria intelectualmente mais respeitoso e políticamente mais responsável do que insistir nesta admirável arte de dourar a pílula.

Leia mais neste link.

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