Apenas um homem comum, não um mártir

É um cacoete tradicional do brasileiro transformar quem morre em santo, mártir ou coisa parecida. Muitas vezes o falecido nada fez de relevante em vida e apenas por ter se tornado um profissional competente, ao morrer recebe depoimentos onde pessoas vão catando qualidades para que o então recém falecido possa ser "canonizado" pela opinião pública e tratado como se fosse melhor do que é.

E não foi diferente com o cinegrafista morto durante os protestos, Santiago Andrade, que trabalhava na TV Bandeirantes (apelidada apenas de "Band").  Santiago era um profissional comum, um homem sem qualidades marcantes que apenas cumpria seus deveres profissionais e sociais, como outro qualquer. Mas ao morrer, a mídia tratou logo de transformá-lo em mártir para poder demonizar os protestos. 

Todos sabem que, mesmo negando, os barões da mídia, poderosos empresários que não representam o povo, sempre foram contra qualquer tipo de manifestação política e sempre vão tentar arrumar um jeito para que protestos sejam vistos de forma pejorativa. O único tipo de manifestação aceita pela mídia é o lúdico (carnaval, copa), pois não oferecem o "perigo" de tentar mudar o mundo e mudar as estruturas de poder.

Andrade foi tratado como mártir para que pudesse ser visto como uma espécie de "herói" contra aquilo que a mídia entende coimo nocivo. Amigos, parentes e colegas de Andrade foram levados a acreditar nisso, pois a ciência prova que em momentos de comoção extrema, o cérebro trava e começamos a imaginar e acreditar em absurdos. 

Isso mostra o poder de manipulação ideológica que a mídia possui, ao transformar um homem comum que não tinha pretensões de mudar o mundo em herói. Houve até a atitude de enfatizar o gosto dele por futebol, já que é o principal meio de manobra social que a mídia possui. 

Desnecessário falar em futebol numa hora como essa, mas como Andrade é carioca, falar em futebol passa a imagem de simpatia e descontração. No Rio de Janeiro, futebol é regra de etiqueta social e quem se assume torcedor de algum time passa a ideia, mesmo falsa, de que gosta de contato social. Dois "problemas" resolvidos de uma vez só: a "canonização" do jornalista e a propaganda pró-futebol em ano de copa.

Na verdade, Andrade é o que podemos chamar de homem comum: nem bom, nem mau e apenas cumpridor honesto de seus deveres. Não será a sua morte que o fará melhor do que era. E sua atitude não mudará o mundo, já que muitos morreram da mesma forma e a sociedade continua a mesma. Resta dar pêsames aos que conviviam com o cinegrafista (sim, para estes, Andrade tinha uma verdadeira importância) e dizer a eles que a morte não existe e que um dia todos se reencontrarão para um novo aprendizado. Pois quem se ama de verdade, o destino nunca separa.

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